Opinião: a inclusão da população LGBTQIA+ começa pelo uso de uma linguagem apropriada

Linguagem inclusiva LGBTQIA+
Linguagem inclusiva LGBTQIA+

Hoje, dia 28 de junho, é o dia do Orgulho LGBTQIA+. Para marcar esta data, Vicente Darde, jornalista, professor doutor em Comunicação e consultor em Comunicação e Diversidade da Dyxel Gaming escreve sobre a necessidade do uso de uma linguagem apropriada para incluir este grupo na sociedade. São dicas simples para evitar sexismos na fala e termos considerados homofóbicos.

Com a palavra, Vicente Darde:


“Em nosso cotidiano, reproduzimos sem perceber preconceitos e reforçamos hostilidades simplesmente ao falar e escrever da maneira como fomos alfabetizados. Sem nos darmos conta, reiteramos pelo uso da linguagem o modo pelo qual nossa sociedade perpetua a opressão. Através da linguagem, criamos consciência e talvez possamos modificar padrões de pensamento. Por isso, faz-se necessário, cada vez mais, o uso da linguagem inclusiva ao falarmos sobre a diversidade.

Falar e escrever tomando cuidado ao escolher palavras que demonstrem respeito a todas as pessoas, sem privilegiar umas em detrimento de outras: esse é o objetivo de quem usa a linguagem inclusiva.  Ao mudar a forma de escrever e falar, podemos mudar também a nossa mentalidade e das pessoas com quem nos comunicamos. Neste mês em que se comemora o Orgulho LGBTQIA+, podemos, no uso de uma linguagem inclusiva, ajudar no combate ao preconceito e à discriminação que ocasionam a exclusão dessas pessoas em nossa sociedade.

Essa tarefa já começa esbarrando em limitações impostas pelo nosso idioma. A marcação de gênero está fixa no português há muitos séculos, não apenas porque quase todas as palavras estão no masculino ou no feminino. A escolha do masculino como genérico e a maneira como são construídas frases ocultando o gênero feminino reforça e perpetua estereótipos do que um dia foram considerados ‘papéis adequados’ para mulheres e homens na sociedade.

No entanto, a simples existência de um gênero neutro, presente em idiomas como latim e alemão, ou ausência de gênero em substantivos como no finlandês e no turco, não implica na diminuição do machismo numa cultura. É preciso transformar a maneira de pensar. A língua é uma ferramenta viva e um dos instrumentos mais efetivos para essa evolução.

A busca por substituir marcadores de gênero no discurso é um processo que explicita respeito e empatia, princípios básicos que deveriam reger as relações sociais. Assim como as técnicas de linguagem simples, que buscam dar acesso universal à compreensão das informações contidas em textos, a linguagem inclusiva também é uma questão de cidadania.

Um exemplo básico é o uso da palavra homem, pessoa do gênero masculino, para se referir a homens e mulheres, como se fosse uma palavra universal. É a validação do sexismo mais explícita que existe. Substitua por ‘ser humano’ ou ‘humanidade’ para se referir ao conjunto da espécie humana.

Na língua portuguesa, temos ainda outras formas de mitigar a dominância do gênero masculino: indeterminar o sujeito com o uso do “se”, como por exemplo “Em Minas Gerais economiza-se bastante”, ao invés de escrever “Os mineiros economizam bastante”. O uso do sujeito oculto ou indeterminado também é uma opção, pois não é imprescindível explicitar o sujeito em todas as frases, especialmente na escrita. Quando um texto repete muito sujeitos no masculino, pode ficar mais limpo com a simples supressão do sujeito da frase. Isso se aplica geralmente a frases que aparecem na sequência de outras. Vejamos no exemplo a seguir: “depois disso, eles venceram as eleições” podemos substituir por “depois disso, venceram as eleições”.

A comunicação sensível à igualdade de gênero é uma habilidade essencial para todas e todos os profissionais. Seja escrevendo relatórios ou e-mails, conversando com uma plateia ou interagindo com pessoas no geral, produzindo conteúdos jornalísticos, publicitários, criando roteiros ficcionais de games e não-ficcionais para documentários, precisamos estar cientes das maneiras pelas quais a linguagem pode impor ou subverter as desigualdades de gênero.

Vicente Darde
Vicente Darde, especialista em Comunicação e Diversidade na Dyxel Gaming. Imagem: The Boche.

A igualdade de gênero significa mais do que a representação igual de mulheres e homens. Atingir a igualdade de gênero significa eliminar todas as discriminações e estereótipos de gênero em todas as áreas da vida. Para alcançar uma igualdade de gênero significativa e duradoura, porém, precisamos desafiar e eliminar as normas e estereótipos de gênero associados a mulheres e homens, que são responsáveis também pela violência e discriminação das pessoas LGBTQIA+.

Para além das questões de gênero, devemos usar de forma adequada a terminologia mais atualizada sobre a população LGBTQIA+, trazendo à discussão temas importantes para o debate nacional e internacional sobre seus direitos.

Vamos a alguns termos importantes:

Orientação Sexual – Opção sexual é uma expressão incorreta. O termo aceito é “orientação sexual”. A explicação provém do fato de que ninguém “opta”, conscientemente, por sua orientação sexual. Assim como a pessoa heterossexual não escolheu essa forma de desejo, a pessoa homossexual ou bissexual (tanto feminina, quanto masculina) também não. Por isso também não devemos utilizar as expressões Desvio Sexual e Normalidade Sexual. No Brasil, a homossexualidade não é considerada “desvio sexual” desde 1985, pelo Conselho Federal de Medicina. É um termo ofensivo e que não deve ser usado, pois indica a homossexualidade como uma anomalia, algo fora de uma ideia de “normalidade” heterossexual.

Identidade de gênero – É a forma que a pessoa se entende como um indivíduo social.

Expressão de gênero – É como o indivíduo manifesta sua identidade em público, a forma como se veste, sua aparência (corte de cabelo, por exemplo) e comportamento, independentemente do sexo biológico.

Sexualidade – Está relacionada à genética binária em que o indivíduo nasceu: masculino, feminino e intersexual.

Homossexualidade – Homossexualismo é um termo incorreto e preconceituoso devido ao sufixo “ismo”, que denota doença e anormalidade. O termo substitutivo é homossexualidade, que se refere da forma correta à orientação sexual do indivíduo, indicando “modo de ser e sentir”.

Cisgênero – Um termo utilizado para descrever pessoas que não são transgênero (mulheres trans, travestis e homens trans). “Cis-” é um prefixo em latim que significa “no mesmo lado que” e, portanto, é oposto de “trans-”. Refere-se ao indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero atribuído ao nascer.

Travesti – Utiliza-se o artigo definido feminino “A” para falar da travesti (aquela que possui seios, corpo, vestimentas, cabelos e formas femininas). É incorreto usar o artigo masculino, por exemplo, “O” travesti Maria, pois está se referindo a uma pessoa com identidade de gênero feminino. O termo “O” Travesti se refere a uma pessoa travesti do sexo biológico feminino, mas com identidade de gênero masculino. Durante muito tempo, o termo era considerado pejorativo ou associado à prostituição. Contudo, atualmente o conceito vem sendo ressignificado e passou a ter mais peso político.

Casal homoafetivo – Ao falar sobre homoafetividade ou casamento homoafetivo, o ideal é usar a expressão casal homoafetivo. A palavra homoafetiva é sinônimo de homossexual, mas ressalta a conotação emocional e afetiva envolvida na relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo/gênero. É importante ressaltar que, ao se referir a uma pessoa, deve ser usada a palavra homossexual, ou bissexual ou transgênero, conforme o caso.

Readequação de sexo e gênero – A readequação de sexo e gênero pode ser definida como um conjunto de estratégias assistenciais para transexuais que pretendem realizar modificações corporais do sexo, em função de um sentimento de desacordo entre seu sexo biológico e seu gênero – em atendimento às legislações e pareceres médicos. Por essa razão, a readequação de sexo e gênero é muito mais ampla do que deixa entender o termo “mudança de sexo”, que pode reduzir a questão como apenas uma vontade de trocar de sexo. Antes das cirurgias, é realizada uma avaliação e acompanhamento ambulatorial com equipe multiprofissional, com assistência integral no processo de readequação de sexo e gênero.

LGBTfobia – A LGBTfobia pode ser definida como o medo, a aversão ou o ódio irracional a todas as pessoas que manifestem orientação sexual ou identidade/expressão de gênero diferente dos padrões heteronormativos.

Sigla LGBTQIA+ – Antigamente usávamos a sigla GLS, que se popularizou por designar, numa única sigla, não só os “gays” e as “lésbicas”, mas também as pessoas que, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero, são solidárias, abertas e “simpatizantes” em relação à diversidade. A sigla GLS é excludente porque não identifica as pessoas bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais. Dessa forma, não deve ser empregada como referência à esfera política das diversas vertentes dos movimentos LGBTIQIA+. Muitos movimentos sociais usam também a sigla LGBTQIAP+, com a inclusão de Pansexual, quem tem atração sexual ou romântica por qualquer sexo ou identidade de gênero. 

Neste breve texto sobre linguagem inclusiva relacionada à diversidade LGBTQIA+, não poderíamos finalizar sem falarmos da origem do Orgulho LGBTQIA+, que tem sua importância por conta de uma história de lutas e de preconceitos. Foi em 28 de junho de 1969 que aconteceu a Rebelião de Stonewall, nos Estados Unidos. Stonewall é o nome de um bar em Nova York, que na década de 60 era muito popular entre a comunidade LGBTQIA+. Em 1969, ser gay era crime em boa parte dos Estados Unidos, inclusive em Nova York. No dia 28 de junho, os policiais resolveram invadir o bar e prenderam vários frequentadores, em especial travestis e drag queens, porque usavam roupas do ‘sexo oposto’. Mas nos dias seguintes, eles se reuniram na frente do bar para protestar contra a violência sobre a comunidade. E assim nasceu o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, dia 28 de junho. Essa data é importantíssima pois ainda vivemos um profundo processo de desigualdade social na nossa sociedade brasileira.

Nesse sentido, reforçamos que a linguagem molda o pensamento e pode influenciar comportamentos, atitudes e práticas. Por isso a comunicação inclusiva é fundamental nesse processo de desconstrução dos preconceitos e estigmas contra a população LGBTQIA+.”


A Dyxel Gaming se orgulha levar a diversidade em seu nome e nos seus princípios, bem como de ter um profissional do gabarito do Vicente na equipe como amigo e consultor. Também lembra que homofobia e transfobia são crimes no Brasil, cuja pena pode chegar a 5 anos de prisão.

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