A primeira imagem que todo mundo costuma ter sobre o perfil de um gamer é um rapaz jovem, branco, portando o controle de algum console de videogame. No entanto, essa imagem em nada condiz com a realidade, pelo menos no país. Desde 2016, a Pesquisa Game Brasil aponta que existem mais mulheres jogando games do que homens. Também, quem atua na indústria deve ter ouvido a célebre frase “jogo de celular não é game”. Mas aí, a Pesquisa Game Brasil de 2020 apontou que o smartphone é a plataforma favorita de ambos os sexos, muito em razão do fenômeno dos jogos free to play. Nessa semana, saiu a edição 2021 da pesquisa e, mais uma vez, um dado merece ser ressaltado: a maioria dos jogadores brasileiros se autodeclara preta e parda. Ou seja, a real imagem gamer no Brasil é a de uma mulher preta que joga no celular. Distorcida é a lente de quem enxerga o contrário.
Esses dados sobre o consumo de games no Brasil mostra que a diversidade não pode ser encarada como apenas uma moda ou nicho de mercado, lembrada pela indústria somente em datas como o Dia da Mulher, Dia do Orgulho LGBTQIA+ ou o Dia da Consciência Negra. A diversidade exige sua presença na ordem do dia. Por isso, aqueles que um dia foram motivo de piada dentro da indústria de entretenimento, hoje querem respeito e uma melhor representação através de personagens e narrativas. Exigem um amadurecimento do mercado e da sociedade. Néstor Garcia Canclini, muito sabiamente na sua obra “Consumidores e Cidadãos”, apontou que o exercício da cidadania na sociedade capitalista se dá essencialmente pelo poder de consumo. Então, se a regra de mercado ainda é a que prevalece entre os céticos, não há mais como evitar essa mudança de pensamento. Antigos estereótipos devem ceder lugar ao novo, até porque isso é matéria-prima essencial para o sucesso de uma indústria criativa como a de games.
Vale lembrar que o jogo brasileiro Dandara figurou na lista dos 10 melhores jogos de 2018 da Times, revista americana de alto prestígio internacional, ao lado de outros games AAA como Mario, God of War e Red Dead Redemption. Para quem não sabe, Dandara foi a companheira do icônico Zumbi dos Palmares, e ambos são personagens negros históricos muito pouco estudados no Brasil. E este game, de forma muito acertada, traz a representação de uma mulher negra não sexualizada como protagonista. Sua consagração internacional explicita que o vazio deixado pelos antigos desenvolvedores começa a ser preenchido por uma geração nova, que carrega o pluralismo nas linhas de código.
Nas últimas semanas, polêmicas sobre racismo, homofobia e misoginia foram pautadas pelo programa Big Brother Brasil. Nas redes sociais, algumas pessoas ainda insistem em classificar aqueles episódios como mimimi. É o mesmo tipo de ataque que a CEO da Dyxel Game Publisher, Érika Caramello, recebe quando é convidada para colocar o seu posicionamento na qualidade de especialista em matérias da imprensa sobre a hipersexualização de personagens femininas nos videogames. O próprio trabalho da publicadora ainda é visto com muita ressalva por alguns pares na indústria, não todos. O mercado não é um bloco e há quem compreenda a necessidade de amadurecimento. As cobranças sociais por respeito, as cotas de colaboradores nos editais do SPCine, a distribuição do Selo da Diversidade da Abragames e as maratonas de desenvolvimento de jogos como Sampa Diversa, Game Jam das Minas e Women Game Jam são cada vez mais presentes na indústria de games. As ações afirmativas demonstram que a diversidade veio pra ficar.
Alguém que ainda tenha coragem de chamar isso de lacração, ou tem má fé ou está extremamente mal informado. Enxergar a realidade é a regra número um do jogo.